A Constituição da República Portuguesa considera a proteção do ambiente numa dupla perspetiva: trata-se de uma tarefa fundamental do Estado e de um direito fundamental dos cidadãos (artigos 9º e 66º da CRP).
SUMÁRIO
A Constituição da República Portuguesa considera a proteção do ambiente numa dupla perspetiva: trata-se de uma tarefa fundamental do Estado e de um direito fundamental dos cidadãos (artigos 9º e 66º da CRP). Em concretização das normas constitucionais, surgiu, em 1987, a primeira lei de bases do ambiente - a Lei nº 11/87, de 7 de abril. A rápida evolução científica e tecnológica e a intensa atividade legislativa e regulamentar nos vários domínios específicos do ambiente ao longo dos quase 30 anos que decorreram desde a publicação da primeira lei de bases do ambiente justificavam a sua revisão profunda ou mesmo a sua substituição por uma nova lei, o que aconteceu este ano, com a aprovação, publicação e entrada em vigor da Lei nº19/2014, de 14 de abril.
A nova lei de bases do ambiente tem menos de metade dos artigos da lei anterior e está dividida em seis capítulos: âmbito, objetivos e princípios gerais da política de ambiente; direitos e deveres ambientais; âmbito de aplicação da política de ambiente; conciliação da política de ambiente com outras políticas sectoriais; instrumentos da política de ambiente; e disposições finais.
No artigo 7º é reconhecido aos cidadãos e às empresas o direito a recorrerem aos tribunais competentes, sejam eles comuns ou administrativos, para proporem ações ou procedimentos cautelares para defesa de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos postos em causa por agressões ambientais ou para pedir a cessação imediata de atividades causadoras de ameaça ou de dano ao ambiente.
Os artigos 10º e 11º definem dez componentes ambientais, dos quais seis são componentes ambientais naturais: o ar; a água ou, mais rigorosamente, os recurso hídricos; o meio marinho; o solo e o subsolo; e a paisagem. E quatro são componentes ambientais humanos: as alterações climáticas, os resíduos, o ruído e os produtos químicos. Para cada um dos dez componentes ambientais, a lei de bases do ambiente estabelece apenas normas e princípios gerais, pelo que, dentro das matérias específicas abrangidas por cada um daqueles componentes ambientais há uma infinidade de atos jurídicos normativos da União Europeia e de diplomas legais e regulamentares nacionais. A lei de bases do ambiente também descreve genericamente as diferentes categorias de instrumentos de política ambiental, que se traduzem na criação de direito objetivo, pelo que são, também, instrumentos de direito do ambiente com regulamentação específica própria, tanto ao nível do Direito da União Europeia como a nível do direito interno. É este complexo de atos normativos, que, no seu conjunto, define os detalhes técnico-jurídicos do sistema (ou ordenamento) jurídico português em matéria ambiental.
1 - INTRODUÇÃO
Em 1976, a Constituição da República Portuguesa (CRP) foi das primeiras constituições no mundo a consagrar a existência de direitos e deveres constitucionais na área do ambiente. A nossa lei fundamental considera a proteção do ambiente numa dupla perspetiva: trata-se de uma tarefa fundamental do Estado e de um direito fundamental dos cidadãos (artigos 9º e 66º da CRP).
Em concretização das normas constitucionais, surgiu, em 1987, a primeira lei de bases do ambiente - a Lei nº 11/87, de 7 de abril – que estabelecia as bases da política de ambiente do Estado Português e estava articulada em oito capítulos, que expressavam alguns dos princípios fundamentais de direito do ambiente, definiam os componentes ambientais naturais e os componentes ambientais humanos e regulamentavam os instrumentos de política de ambiente à disposição do Estado para assegurar os objetivos políticos enunciados. Apesar da estabilidade das leis ser um valor jurídico a defender e preservar, a rápida evolução científica e tecnológica e a intensa atividade legislativa e regulamentar nos vários domínios específicos do ambiente, ao longo dos quase 30 anos que decorreram desde a publicação da primeira lei de bases do ambiente, justificavam, já há algum tempo, uma revisão profunda da Lei nº11/87, de 7 de abril ou a sua substituição por uma nova lei. Isso aconteceu este ano de 2014, com a aprovação, publicação e entrada em vigor da nova lei de base do ambiente – Lei nº19/2014, de 14 de abril - que revogou a anterior.
A nova lei de bases do ambiente tem uma estrutura mais simples do que a lei que a antecedeu e é mais curta, contando com menos de metade dos artigos da lei anterior (24 contra 52). Está dividida em seis capítulos: âmbito, objetivos e princípios gerais da política de ambiente; direitos e deveres ambientais; âmbito de aplicação da política de ambiente; conciliação da política de ambiente com outras políticas sectoriais; instrumentos da política de ambiente; e disposições finais.
2 – PRINCÍPIOS GERAIS DA POLÍTICA DE AMBIENTE
O primeiro capítulo - âmbito, objetivos e princípios gerais da política de ambiente – determina os objetivos da política de ambiente e enuncia alguns dos princípios do direito do ambiente e das políticas públicas ambientais. As políticas públicas consistem nas ações desenvolvidas pelo Estado com vista a resolver os problemas e assegurar o desenvolvimento harmonioso dos diversos setores da sociedade. Num Estado de Direito Democrático essas políticas devem ser desenvolvidas pelo governo, através dos instrumentos legislativos adequados, em conjunto com a sociedade civil, pelo que não é de estranhar que o nº2 do artigo 2º da Lei nº19/2014, de 14 de abril, estabeleça que “compete ao Estado a realização da política de ambiente, tanto através da ação direta dos seus órgãos e agentes nos diversos níveis de decisão local, regional, nacional, europeia e internacional, como através da mobilização e da coordenação de todos os cidadãos e forças sociais, num processo participado e assente no pleno exercício da cidadania ambiental”. Quanto aos objetivos da política de ambiente afirma-se (artigo 2º, nº1) que esta visa a efetivação dos direitos ambientais através da promoção do desenvolvimento sustentável, suportada na gestão adequada do ambiente, em particular dos ecossistemas e dos recursos naturais, contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade de baixo carbono e uma «economia verde», racional e eficiente na utilização dos recursos naturais, que assegure o bem-estar e a melhoria progressiva da qualidade de vida dos cidadãos. No que respeita aos princípios continua a registar-se, como acontecia na lei anterior, alguma confusão de conceitos e uma formulação algo perifrástica de alguns dos princípios, quando sujeitos a uma análise crítica com base na doutrina jurídica ambiental.
3 – DIREITOS E DEVERES AMBIENTAIS
O segundo capítulo - direitos e deveres ambientais – consagra o direito fundamental ao ambiente nos termos constitucionalmente estabelecidos (artigo 66º, nº1 da CRP), mas avança uma definição mais estruturada e detalhada ao afirmar (artigo 5º, nº2), que “o direito ao ambiente consiste no direito de defesa contra qualquer agressão à esfera constitucional e internacionalmente protegida de cada cidadão, bem como o poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações, em matéria ambiental, a que se encontram vinculadas nos termos da lei e do direito”. Constitui uma inovação desta lei de bases, a receção expressa do direito internacional do ambiente como fonte normativa na interpretação e aplicação do direito ao ambiente no nosso ordenamento jurídico.
Tal como a liberdade exige responsabilidade, os direitos encontram o seu contraponto nos deveres, pelo que é de louvar a referência autónoma que o legislador entendeu fazer, no artigo 8º, aos deveres ambientais e ao conceito de “cidadania ambiental” proclamando que “o direito ao ambiente está indissociavelmente ligado ao dever de o proteger, de o preservar e de o respeitar, de forma a assegurar o desenvolvimento sustentável a longo prazo, nomeadamente para as gerações futuras”.
Refira-se ainda a condensação dos direitos de participação procedimental e de tutela jurisdicional efetiva em matéria de ambiente (incluindo nesta última vertente o direito de ação popular) nos artigos 6º e 7º desta lei de bases do ambiente. No artigo 7º é reconhecido a todos (cidadãos, empresas, organizações não governamentais e entidades administrativas), em termos bastante claros, o direito a recorrerem aos tribunais competentes, sejam eles comuns ou administrativos, para:
- proporem ações para defesa de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos ou para pedir a cessação imediata de atividade causadora de ameaça ou dano ao ambiente, a reposição da situação anterior e o pagamento da respetiva indemnização;
- ou proporem procedimentos cautelares para prevenir, cessar ou reparar violações de bens e valores ambientais da forma mais célere possível.
4 – COMPONENTES AMBIENTAIS
No que diz respeito ao âmbito de aplicação da política de ambiente – terceiro capítulo da lei – a nova lei de bases do ambiente procede a uma completa reestruturação do sistema de componentes ambientais que tinha sido definido pela lei antecedente como forma de divisão do vasto campo ambiental para efeitos da sua regulamentação jurídica. Os artigos 10º e 11º definem dez componentes ambientais, dos quais seis são componentes ambientais naturais: o ar; a água ou, mais rigorosamente, os recurso hídricos; o meio marinho; o solo e o subsolo; e a paisagem. E quatro são componentes ambientais humanos, que a lei considera indissociáveis dos componentes ambientais naturais (artigo 9º) e esclarece serem, em bom rigor, “componentes ambientais associados a comportamentos humanos” (artigo 11º). São eles: as alterações climáticas, os resíduos, o ruído e os produtos químicos. Comparando a estrutura de componentes desta nova lei de bases do ambiente com a antiga, destaca-se a transferência da “paisagem” de componente ambiental humano para componente ambiental natural e a total reformulação dos componentes ambientais humanos, que na antiga lei de bases do ambiente eram, para além da paisagem, a poluição e o património. A poluição é dividida por quatro componentes: alterações climáticas, resíduos, ruído e produtos químicos. O património desaparece enquanto componente ambiental, encontrando-se apenas referido na norma que estabelece os objetivos de ação relativamente ao componente ambiental natural “paisagem”, o que parece reforçar o caráter humano deste componente, que agora é considerado natural, como se conclui da leitura da alínea f) do artigo 10º: “A salvaguarda da paisagem implica a preservação da identidade estética e visual, e da autenticidade do património natural, do património construído e dos lugares que suportam os sistemas socioculturais, contribuindo para a conservação das especificidades das diversas regiões que conjuntamente formam a identidade nacional”.
É relevante que um dos componentes ambientais associados a comportamentos humanos que a nova lei de bases do ambiente estabelece sejam as “alterações climáticas”, estipulando, a este propósito, a alínea a) do artigo 11º que “a política de combate às alterações climáticas implica uma visão integrada dos diversos sectores socioeconómicos e dos sistemas biofísicos através de uma estratégia de desenvolvimento assente numa economia competitiva de baixo carbono, de acordo com a adoção de medidas de mitigação e medidas de adaptação, com vista a reduzir a vulnerabilidade e aumentar a capacidade de resposta aos impactes negativos das referidas alterações”.
A maior parte das alterações climáticas dão-se em períodos de centenas, milhares ou milhões de anos e têm causas naturais como as pequenas variações na inclinação do eixo de rotação da terra, as flutuações da atividade solar ou os períodos de maior atividade vulcânica. Mas a atividade humana e, em especial, a queima de combustíveis fósseis tem contribuído para o aumento da concentração na atmosfera de dióxido de carbono e de outros gases cujas moléculas absorvem a radiação infravermelha que a terra dissipa para o espaço, num efeito que tem como consequência um aumento da temperatura média da atmosfera. É este fenómeno, de origem antropogénica, que se designa por efeito de estufa. O aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera no último século e a intensificação do efeito de estufa atribui-se à aceleração da queima de combustíveis fósseis pelo homem e à desflorestação, tendo sido registado no último século, de acordo com o painel internacional estabelecido pela Organização das Nações Unidas para estudar este assunto (IPCC), um aumento da temperatura média global da atmosfera de cerca 0,78 °C. Prevê-se que um ulterior aumento superior a 2 °C terá efeitos catastróficos nos ecossistemas terrestres e na organização das atuais sociedades humanas, continua, no entanto, a haver alguma controvérsia sobre esta matéria na comunidade científica. O relevo que a nova lei de bases do ambiente dá ao problema das alterações climáticas acompanha as preocupações internacionais e, sobretudo, da União Europeia nesta matéria e corresponde a uma aplicação do princípio da precaução.
O problema das alterações climáticas está intimamente relacionado com a questão da política energética, que é hoje uma política sectorial fortemente integrada com a política ambiental. Apenas encontramos na nova lei de bases do ambiente uma referência explícita à política energética no artigo 22º, que se refere a outros instrumentos de política ambiental, advertindo que os instrumentos referidos na lei “não excluem os demais instrumentos, nomeadamente os de ordenamento do território, os estatutos de proteção de base territorial de bens ambientais, bem como os de política de transportes e política energética, devendo todos eles ser articulados e conjugados”. Encontramos ainda uma referência implícita à política energética no nº1 do artigo 13º da nova lei de bases do ambiente, artigo que constitui, solitariamente, o quarto capítulo da lei - conciliação da política de ambiente com outras políticas sectoriais - onde se refere que “a transversalidade da política de ambiente impõe a sua consideração em todos os sectores da vida económica, social e cultural, e obriga à sua articulação e integração com as demais políticas sectoriais, visando a promoção de relações de coerência e de complementaridade”. Mas a integração entre ambiente e energia é hoje uma realidade e a transformação de energia a partir de fontes renováveis, como o sol, o vento, a água ou a biomassa é uma alternativa à utilização dos combustíveis fósseis essencial para alcançar as metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa estabelecidas pela União Europeia.
5 – ESTRUTURAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO AMBIENTAL PORTUGUÊS
Para cada um dos dez componentes ambientais nela definidos, a lei de bases do ambiente estabelece apenas normas e princípios gerais, pelo que, dentro das matérias específicas abrangidas por cada um daqueles componentes ambientais há uma infinidade de atos jurídicos normativos da União Europeia (Regulamentos, Diretivas, Decisões, Recomendações e Pareceres) e de diplomas legais e regulamentares de direito interno. A lei de bases do ambiente também define genericamente as diferentes categorias de instrumentos de política ambiental, como adiante se referirá. Estes instrumentos de política ambiental traduzem-se na criação de direito objetivo, pelo que são, também, instrumentos de direito do ambiente, que têm regulamentação específica própria, tanto ao nível do Direito da União Europeia como a nível do direito interno. Muitos deles aplicam-se, horizontalmente, aos diversos componentes ambientais, como é o caso da avaliação de impacte ambiental ou da responsabilidade civil por danos ambientais, mas existem ainda instrumentos jurídicos que, utilizando-se no domínio do direito do ambiente, derivam diretamente da constituição, como acontece com as contraordenações ambientais ou com os crimes ambientais. É todo este complexo de atos normativos, que, no seu conjunto, define os detalhes técnico-jurídicos do sistema (ou ordenamento) jurídico português em matéria ambiental de acordo com uma estrutura global que pode compreender-se mais facilmente na representação esquemática que se apresenta na Figura 1.
Figura 1 – Esquema da estrutura sistemática do ordenamento jurídico ambiental português após a entrada em vigor da Lei nº19/2014, de 14 de abril.
6 – INSTRUMENTOS DE POLÍTICA DE AMBIENTE
O quinto capítulo da nova lei de bases do ambiente descreve os instrumentos da política de ambiente, que são os meios através dos quais o Estado visa prevenir, reduzir e, se possível, eliminar os impactes ambientais negativos e devem ser desenvolvidos e aplicados de forma integrada com as demais políticas nacionais, regionais, locais ou sectoriais, com vista à prossecução dos objetivos nacionais e dos compromissos internacionais assumidos por Portugal (artigo 14º, nº2). Os instrumentos de política ambiental, que deverão ser periodicamente revistos e atualizados (artigo 14º, nº3), são classificados em sete categorias (artigo 14º, nº1): instrumentos de informação ambiental; instrumentos de planeamento económico e financeiro; instrumentos de avaliação ambiental; instrumentos de autorização ou licenciamento ambiental, também designados por atos permissivos do Estado em matéria de ambiente; instrumentos de melhoria contínua do desempenho ambiental; e instrumentos de controlo, fiscalização e inspeção.
De entre os instrumentos de política ambiental descritos nos artigos 15º a 21º, façamos uma referência mais pormenorizada aos instrumentos de planeamento, aos instrumentos económicos e financeiros e aos instrumentos de avaliação, que constituem uma tríade de ferramentas cuja aplicação se tem revelado precisa e eficaz na área ambiental.
São instrumentos de planeamento no âmbito da política de ambiente e do desenvolvimento sustentável, as estratégias, os programas e os planos de âmbito nacional, regional, local ou sectorial, que fixam orientações, objetivos, medidas e ações, metas e indicadores e que determinam as entidades responsáveis pela sua execução e os financiamentos adequados (artigo 16º).
A política de ambiente deve recorrer a instrumentos económicos e financeiros, designadamente, de apoio financeiro, de compensação ambiental, de adequada remuneração dos serviços proporcionados pelo ambiente, instrumentos contratuais, instrumentos de fiscalidade ambiental, garantias financeiras e instrumentos de mercado correspondentes a mecanismos de troca de direitos de uso ou de direitos de emissão de poluentes (artigo 17º). Estes instrumentos devem ser concebidos de forma equilibrada e sustentável, com vista à promoção de soluções que estimulem o cumprimento dos objetivos ambientais, a utilização racional dos recursos naturais e a internalização das externalidades ambientais (aplicação do princípio do poluído-pagador).
A utilização de instrumentos de avaliação permite que os programas, planos e projetos, públicos ou privados, que possam afetar o ambiente, o território ou a qualidade de vida dos cidadãos, estejam sujeitos a avaliação ambiental prévia à sua aprovação, com vista a assegurar a sustentabilidade das opções de desenvolvimento (artigo18º). A avaliação de impacte ambiental de projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente é um instrumento jurídico especificamente desenvolvido para a área do ambiente, que se encontra balizado por Diretivas da União Europeia transpostas para o nosso direito interno, tem um elevado grau de desenvolvimento técnico, e o seu regime jurídico está atualmente estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, alterado pelo Decreto-lei nº 47/2014, de 24 de março. A avaliação ambiental estratégica, dirigida à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, também se encontra balizada por Diretivas da União Europeia transpostas para o nosso direito interno e o seu regime jurídico está atualmente estabelecido pelo Decreto-Lei nº232/2007, de 15 de junho.
Uma referência ainda aos instrumentos de política ambiental classificados como atos administrativos de caráter permissivo em matéria de ambiente (artigo 19º), para falarmos no licenciamento ambiental, enquanto instrumento jurídico de grande elaboração técnica, forjado também no cadinho dos órgãos legislativos da União Europeia. A Diretiva mais recente que disciplina a prevenção e controlo integrados de poluição (PCIP) encontra-se hoje transporta para o direito interno através de um diploma extenso e complexo, que estabelece também outras regras destinadas a evitar e ou reduzir as emissões para o ar, a água e o solo e a produção de resíduos. Trata-se do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de agosto, que estabelece o regime de emissões industriais aplicável à prevenção e ao controlo integrados da poluição com vista à atribuição de uma licença ambiental única para certo tipo de atividades.
7 – INSTRUMENTOS DE DIREITO DO AMBIENTE
Ainda que exijam muitas vezes a prática de atos materiais por parte das várias entidades da administração pública que têm atribuições e competências em matéria de ambiente, os instrumentos de política ambiental traduzem-se sempre na criação de direito objetivo, isto é, de atos jurídicos (leis, regulamentos, atos administrativos), pelo que constituem também instrumentos de direito do ambiente.
Os instrumentos que acima vêm referidos constituem manifestações concretas de dois princípios fundamentais de direito do ambiente - os princípios da prevenção e da precaução - que a lei de bases do ambiente, numa solução discutível em termos de técnica jurídica, aglutina na alínea c) do artigo 3º, definindo-os em conjunto como “obrigando à adoção de medidas antecipatórias com o objetivo de obviar ou minorar, prioritariamente na fonte, os impactes adversos no ambiente, com origem natural ou humana, tanto em face de perigos imediatos e concretos como em face de riscos futuros e incertos, da mesma maneira como podendo estabelecer, em caso de incerteza científica, que o ónus da prova recaia sobre a parte que alegue a ausência de perigos ou riscos”. Para termos o quadro completo dos instrumentos de direito do ambiente, uma vez que os instrumentos descritos nos artigos 15º a 22º da lei de bases do ambiente são essencialmente preventivos, na medida em que têm vocação para atuar antes da ocorrência dos danos ambientais, teremos de lhes acrescentar os instrumentos sancionatórios ou repressivos, que atuam essencialmente após a ocorrência dos danos ambientais, penalizando os seus causadores. Os instrumentos sancionatórios ou repressivos de direito do ambiente são:
- as contraordenações ambientais, sancionadas com coimas e sanções acessórias da coima, cujo regime geral se encontra estabelecido na chamada lei quadro das contraordenações ambientais, que é a Lei nº50/2006, de 29 de agosto, alterada e republicada pela Lei nº89/2009, de 31 de agosto;
- os crimes ambientais, previstos nos artigos 278º (crime de danos contra a natureza), 279º (crime de poluição), 279º-A (crime de atividades perigosas para o ambiente) e 280º (crime de poluição com perigo comum) do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei nº56/2011, de 15 de novembro;
- e, em certa medida, a responsabilidade civil por danos ambientais.
Quanto à responsabilidade civil por danos ambientais, cujo regime jurídico se encontra previsto no Decreto-Lei nº147/2008, de 29 de julho, trata-se, em bom rigor, de um instrumento de direito do ambiente de caráter misto, uma vez que, embora atue tendencialmente depois da ocorrência do dano ambiental, obrigando o seu causador a assumir a responsabilidade pelo dano que causou, assim o penalizando do ponto de vista económico ou financeiro, não é um instrumento inteiramente repressivo. É que a responsabilidade civil procura, sempre que isso seja possível, a reconstituição natural e posta a funcionar atempadamente pode ter um efeito preventivo do agravamento dos danos. Por outro lado, o regime jurídico da responsabilidade civil por danos ambientais, acima citado, tem um capítulo autónomo que estabelece um regime de responsabilidade administrativa pela prevenção e reparação de danos ambientais, aplicando-se, nesse âmbito, tanto aos danos ambientais como às ameaças iminentes desses danos, quando sejam resultantes do exercício de uma qualquer atividade, seja ela pública ou privada, lucrativa ou não lucrativa.
Usando a terminologia introduzida pela nova lei de bases do ambiente para os instrumentos preventivos, podemos então classificar os instrumentos específicos do direito do ambiente em duas categorias - instrumentos preventivos e instrumentos repressivos - de acordo com o esquema que se apresenta na Figura 2.
Figura 2 – Esquema de classificação dos Instrumentos do Direito do Ambiente no ordenamento jurídico português após a entrada em vigor da Lei nº19/2014, de 14 de abril.
Uma referência final ao sexto e último capítulo da nova lei de bases do ambiente, que inclui a norma revogatória da anterior lei de base do ambiente e estabelece, no artigo 23º, a obrigação do Governo apresentar à Assembleia da República, um relatório anual e, de cinco em cinco anos, um livro branco, sobre o estado do ambiente em Portugal.
António Barreto Archer
Advogado e Professor Universitário