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Os condomínios e o alojamento local

O regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, aprovado pelo Decreto-Lei nº128/2014, de 29 de agosto, era inicialmente omisso quanto à possibilidade dos condomínios, através das respetivas assembleias de condóminos, imporem restrições à utilização das frações autónomas como estabelecimentos de alojamento local pelos respetivos proprietários.

A grande proliferação deste tipo de alojamentos nos últimos anos, principalmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, provocou um confronto entre a pressão que a utilização intensiva dos alojamentos locais exercia sobre alguns condomínios, do ponto de vista da utilização das áreas comuns e da tranquilidade e segurança dos residentes e a amplitude do direito de propriedade das respetivas frações, no contexto da crescente importância social desta novel atividade, relacionada com a explosão do número de turistas chegados ao nosso país, que se tem revelado um importante motor do crescimento económico, da valorização imobiliária e da reabilitação urbana em Portugal. Depois de muita controvérsia jurídica e política sobre esta matéria, o legislador deu conta da necessidade de intervir no sentido de clarificar a situação, pois a jurisprudência, com decisões contraditórias, algumas delas baseadas em interpretações corretivas da lei, não foi capaz de resolver o problema. Face a esta situação, a Assembleia da República aprovou recentemente uma alteração ao regime de autorização de exploração dos estabelecimentos de alojamento local que veio disciplinar legalmente as situações em que as assembleias de condóminos podem intervir quando as frações autónomas integradas nos respetivos edifícios sejam utilizadas como estabelecimentos de alojamento local. A alteração legislativa, consubstanciada na Lei nº62/2018, de 22 de agosto de 2018, que procede à segunda alteração ao Decreto-lei nº128/2014, de 29 de agosto (NLAL), prevê três hipóteses de intervenção das assembleias de condóminos em matéria de alojamento local quando a unidade de alojamento é constituída por uma fração autónoma de prédio urbano constituído em propriedade horizontal ou por quartos integrados nessa fração autónoma.

A primeira hipótese é a que está prevista no artigo 6º, nº1, alínea f) da NLAL, e exige que no caso dos «hostels», e apenas neste caso, o registo dos estabelecimentos de alojamento local, que é efetuado mediante comunicação prévia com prazo dirigida ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente, seja instruído com a Ata da assembleia de condóminos que autorize a instalação. Refira-se que, nos termos do disposto nos nºs 3, 4 e 5 do artigo 3º da NLAL, um «hostel» é um tipo específico de estabelecimento de alojamento local de hospedagem cujas unidades de alojamento são constituídas por quartos integrados numa fração autónoma de edifício, mas cuja unidade de alojamento predominante é o dormitório ou camarata. A segunda hipótese de intervenção da Assembleia de Condóminos está prevista nos nºs 2, 3, 4 e 6 do artigo 9º da NLAL.

Estabelecem estas normas da Nova Lei do Alojamento Local que, no caso de a atividade de alojamento local ser exercida numa fração autónoma de edifício, a assembleia de condóminos, por decisão de mais de metade da permilagem do edifício, em deliberação fundamentada, decorrente da prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de atos que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos, pode opor-se ao exercício da atividade de alojamento local na referida fração, dando, para o efeito, conhecimento da sua decisão ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente.

Comunicada a oposição por parte da assembleia de condóminos, é o Presidente da Câmara Municipal, com faculdade de delegação nos vereadores, que decide sobre o pedido de cancelamento, podendo determinar o cancelamento do registo e a imediata cessação da exploração do estabelecimento, sem prejuízo do direito de audiência prévia do titular do registo. Nos casos em que o município verifique que o estabelecimento é explorado sem registo deve comunicar o facto à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

Nos restantes casos, a cessação de exploração implica o cancelamento do registo do estabelecimento e a impossibilidade de o imóvel em questão ser explorado como alojamento local, independentemente da respetiva entidade, por um período que deverá ser fixado na decisão até ao máximo de 1 ano. O cancelamento do registo deve ser imediatamente comunicado pela câmara municipal territorialmente competente ao Turismo de Portugal, I. P. e à ASAE, competindo à primeira destas entidades a comunicação do cancelamento às plataformas eletrónicas que disponibilizem, divulguem ou comercializem o alojamento. A terceira hipótese de intervenção da assembleia de condóminos nesta matéria está prevista no artigo 20º-A da NLAL e consiste na possibilidade do condomínio fixar, para as frações autónomas em que funcionarem estabelecimentos de alojamento local, o pagamento de uma contribuição adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns, com um limite de 30 % do valor anual da quota respetiva, através de deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, tomada nos termos do disposto no artigo 1424º do Código Civil, isto é, aprovada por uma maioria de condóminos representativa de, pelo menos, dois terços do valor total do prédio. Por último refira-se que, nos termos do disposto no artigo 8º da Lei nº62/2018, de 22 de agosto, esta nova redação da lei do alojamento local (NLAL) entrará em vigor no dia 22 de outubro de 2018.

 

 

António Barreto Archer
Advogado e Engenheiro
CEO do Consórcio de Advogados Archer & Associados