Advogados da família da primeira vítima mortal de legionella suspeitam que hospital Pedro Hispano poderá ter estado na origem do surto

ADVOGADOS PONDERAM RECORRER À LEI DA AÇÃO POPULAR COM VISTA A RESPONSABILIZAR OS CAUSADORES DO SURTO OU O PRÓPRIO ESTADO

A equipa de advogados que representa a família da primeira vítima mortal do surto de Legionella, que durante todo o mês de novembro de 2020 afetou os concelhos de Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim, causando 15 mortes, suspeita que o Hospital Pedro Hispano poderá ter estado na origem do surto.

Liderada pelo advogado António Barreto Archer, a equipa de advogados do Porto, Vila do Conde e Póvoa de Varzim aponta a inércia das autoridades de saúde neste caso, em contraste com a atuação desenvolvida em 2014 em surto idêntico ocorrido em Vila Franca de Xira, tendo já requerido e sido admitida a constituição como assistente da filha da primeira vítima mortal no inquérito crime aberto no passado mês de novembro pelo DIAP de Matosinhos para investigar as causas deste surto.

“Sendo um surto de Legionella um problema de saúde pública cuja fonte, em regra, consegue ser rapidamente identificada através de um inquérito das autoridades de saúde competentes aos casos de infeção, uma vez que não tem potencial de contaminação a grandes distâncias e não se transmite de pessoa para pessoa, os danos sofridos pelas vítimas podem ser imputados, a título de responsabilidade civil ou penal, aos proprietários das redes, sistemas e equipamentos propícios à proliferação e disseminação da Legionella, ou, em último caso, ao próprio Estado, caso a fonte do surto seja uma estrutura ou edifício público com torres de arrefecimento, como por exemplo um hospital, ou quando os serviços de saúde não sejam capazes de identificar a fonte do surto”, alega António Barreto Archer.

O advogado recorda que alguns dos afetados, entre os quais Joaquim Maria Ferreira, a primeira vítima mortal deste surto, eram utentes do Hospital Pedro Hispano, onde se deslocavam para consultas pouco antes de serem diagnosticados com Legionella.
“Era um idoso residente na Póvoa de Varzim e estava confinado à sua casa, pelo que nas semanas anteriores à data da sua infeção por Legionella apenas saiu de casa para se deslocar a uma consulta no Hospital Pedro Hispano. Seria normal e adequado que tivessem sido efetuadas todas as diligências necessárias para apurar a origem do surto e as eventuais responsabilidades do Hospital Pedro Hispano, enquanto possível fonte deste surto de Legionella, mas, até à data, não se sabe se este Hospital foi investigado e o caso parece ter sido desvalorizado pelas autoridades de saúde”, alerta António Barreto Archer.

O jurista adianta que irá lançar mão de todos os meios legais no sentido de que se faça justiça às vítimas deste caso, incluindo não só as vítimas mortais, mas também as que tiveram a doença e sofreram e sofrem ainda as suas consequências.

“Por estar em causa a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial de infrações contra a saúde pública, todos os cidadãos que se sintam lesados por danos causados por este surto de Legionella poderão reclamá-los através da chamada Lei da Ação Popular, um instrumento de participação e intervenção democrática dos cidadãos na vida pública, de fiscalização da legalidade, de defesa dos interesses das coletividades e de educação e formação cívica de todos”, elucida António Barreto Archer, referindo que “este mecanismo de Ação Popular já foi utilizado aquando da constituição como assistente no inquérito em curso”.

Refira-se que a bactéria Legionella pneumophila provoca a doença do legionário, que é contraída pela inalação de gotículas de água contaminada (aerossóis) de dimensões micrométricas, normalmente geradas em torres de arrefecimentos de indústrias, edifícios comerciais e hospitais. Não viajando grandes distâncias, estes aerossóis podem transportar a bactéria para os pulmões de pessoas que circulem perto da fonte emissora, depositando-a nos alvéolos pulmonares e provocando uma pneumonia que é muitas vezes fatal (cerca de 10 a 15% de taxa de letalidade média nos surtos conhecidos no mundo).

Recorde-se que, no passado dia 13 de janeiro, em audição parlamentar, a Administração Regional de Saúde do Norte deu por extinto o surto, atualizando em 88 casos e 15 mortos o balanço final da ocorrência, sendo que a origem deste surto continua, ainda, por identificar.