Patrícia Sousa Borges, Advogada Associada, escreve artigo no Correio do Minho sobre Direito Desportivo, onde aborda a temática do Crime de Injúria, colocando em evidência a ambiguidade de critérios quando aplicado ao contexto futebolístico.
«"Vai lá p'ra barraca, vai mas é pó c...seu filho da p...», não se enquadra tipicamente no crime de injúria, é o que se pode ler no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
As pessoas pagam bilhete de ingresso para assistir a um espetáculo desportivo, mas, na verdade, têm a "porta aberta". Esta "porta aberta" que se criou nos recintos desportivos, não é algo de agora. De facto, a maioria dos adeptos insulta um árbitro de futebol quando este analisa um lance do jogo e decide desfavoravelmente contra a sua equipa. Ainda assim, nem por isso um arguido/réu insulta o juiz numa sala de audiência e julgamento se este o condena. Embora não exista nenhum artigo na lei onde se possa ler que é lícito determinado sujeito injuriar um árbitro, jogador, dirigente e/ou treinador porque o facto ocorreu durante um jogo de futebol, a verdade é que a jurisprudência dos tribunais portugueses entende que sim. Contudo, a disparidade está precisamente aqui, uma vez que se determinado sujeito injuriar um juiz no decurso de uma audiência de discussão e julgamento, a jurisprudência irá, com certeza, achar que o sujeito agiu ilicitamente e, como tal, deverá ser condenado. Mas, os dois contextos são iguais, porquanto a base legal é a mesma.
O artigo 181.° do Código Penal dispõe o seguinte: "Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias." Por sua vez, o artigo 184° do mesmo diploma, agrava essa moldura, estabelecendo o seguinte: "são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for, agente de força pública, jornalista, ou juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas.
Torna-se urgente precisar até que ponto determinado ilícito, preenchendo aparentemente todos os pressupostos típicos de crime, não é, todavia, censurável porque aconteceu na órbita do chamado «direito desportivo». É, pois, imperioso saber quais as principais razões para se alargarem os limites penais ou, caso contrário, vamos continuar a ter esta "porta aberta" para que determinada pessoa organize um jogo de futebol e possa licitamente usar e abusar de uma variedade de impropérios.
Não nos podemos esquecer que a Lei n.° 13/2019, que estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, xenofobia e intolerância nos espetáculos desportivos, alterando a Lei n.° 39/2009, de 30 de julho, assentou primordialmente em quatro pilares: a celeridade processual e transparência, à aplicabilidade da lei, a prevenção e a formação de grupos organizados de adeptos. Não podemos esquecer que esta mesma lei veio prever um agravamento de todas as sanções previstas na lei anterior, com vista a garantir uma maior segurança para o público.
Mas, como é que se pretende criar um ambiente seguro quando se abre as hostilidades para que seja um espetáculo onde reine a falta de educação? E onde fica a aplicabilidade da lei? Pelo que é possível observar, não tem lugar definido! Se vale tudo no futebol? Não, não vale. Isto não vale. Ou, pelo menos, a lei diz que não devia valer.
PATRÍCIA SOUSA BORGES
Advogada
In Correio do Minho
Edição de 16 de Outubro | Ano LXXXI Sèrie VI Nº11242