FAMÍLIAS AVANÇAM COM QUEIXA NA PROVEDORIA DE JUSTIÇA.
SURTO AFETOU 88 PESSOAS E MATOU 15 EM MATOSINHOS, PÓVOA DE VARZIM E VILA DO CONDE.
REVOLTA
O pai de Raquel morreu. Dez meses depois, o de Renata ainda não anda e só agora teve alta do hospital. Já Luís Mendanha, nunca mais foi o mesmo. São três das 88 vitimas do surto de legionela que, em outubro e novembro, atingiu os concelhos de Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim. Vão levar o caso à Provedoria de Justiça e exigem uma indemnização. Querem que, tal como aconteceu no caso do ucraniano morto às mãos do SEF, das vitimas dos incêndios de 2017 ou da derrocada na estrada de Borba, o Estado assuma as suas responsabilidades. Quanto mais não seja, por inércia. O surto infetou 88 pessoas e matou 15. "Fico cansado com muita facilidade. Deixei de jogar à bola e até de ir pescar, tenho medo, porque qualquer esforço me dá falta de ar", conta Luís Mendanha, ele que, há um ano, jogava futebol, praticava defesa pessoal, caminhava quilómetros por dia e fazia pesca desportiva. Luís Mendanha foi internado a 6 de novembro de 2020: pneumonia por legionela. Esteve dez dias internado, "mais p'ra lá do que p'ra cá". Escapou, mas a vida "mudou por completo". "Tem que ser tudo devagar, mais tranquilo. Desportos? Nada.
O pai de Raquel morreu. Dez meses depois, o de Renata ainda não anda e só agora teve alta do hospital. Já Luís Mendanha, nunca mais foi o mesmo. São três das 88 vitimas do surto de legionela que, em outubro e novembro, atingiu os concelhos de Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim. Vão levar o caso à Provedoria de Justiça e exigem uma indemnização. Querem que, tal como aconteceu no caso do ucraniano morto às mãos do SEF, das vitimas dos incêndios de 2017 ou da derrocada na estrada de Borba, o Estado assuma as suas responsabilidades. Quanto mais não seja, por inércia. O surto infetou 88 pessoas e matou 15. "Fico cansado com muita facilidade. Deixei de jogar à bola e até de ir pescar, tenho medo, porque qualquer esforço me dá falta de ar", conta Luís Mendanha, ele que, há um ano, jogava futebol, praticava defesa pessoal, caminhava quilómetros por dia e fazia pesca desportiva. Luís Mendanha foi internado a 6 de novembro de 2020: pneumonia por legionela. Esteve dez dias internado, "mais p'ra lá do que p'ra cá". Escapou, mas a vida "mudou por completo". "Tem que ser tudo devagar, mais tranquilo. Desportos? Nada.
"ÚLTIMAS CONSEQUÊNCIAS".
Mora em Labruge, a cinco quilómetros de onde se julga ter sido o epicentro do surto. Ainda hoje não sabe o que o contaminou, mas jurou que não ia deixar ' a culpa morrer solteira e vai "até às últimas consequências". Dez meses depois, lamenta não ter recebido "nem uma explicação das autoridades, um telefonema que fosse". "Exige-se que, havendo um surto, as autoridades de saúde façam um trabalho de investigação muito rápido no sentido de saber quem foi. O que aconteceu, neste caso, é que essa investigação foi muito negligente. A Saúde diz que não tinha técnicos, mas também não pediu colaboração à APA, à ASAE, a ninguém", afirma António Archer, o advogado que, em março, recorreu à ação popular para que vitimas e familiares se constituíssem assistentes do processo crime em investigação no DIAP do Porto. Neste momento, o consórcio de advogados, liderado por Archer, representa oito vítimas ou famílias, mas ainda esperam que outros se juntem. Agora, vão avançar com uma queixa na Provedoria de Justiça. "O Estado, ao não criar as condições para fiscalização e vigilância destas instalações, é responsável pela propagação da bactéria", frisa.
LEI "ATRASADA"
Na sequência do surto em Vila Franca de Xira, em 2014 - o terceiro com mais casos em todo o mundo -, foi publicada a lei 52/2018, que estabelece o regime de prevenção e controlo da doença dos legionários. Mas a verdade é que só a 19 de janeiro de 2021- já depois do surto a norte - foi publicada a portaria que "materializa essa lei", ao determinar "a classificação do risco e as medidas mínimas a adotar pelos responsáveis pelos equipamentos, redes e sistemas" de refrigeração previstos. "E a assunção do erro por parte do Estado! Se esta portaria tivesse sido publicada antes, este surto tinha sido evitado", sublinha António Archer.
| Ana Trocado Marques
Mora em Labruge, a cinco quilómetros de onde se julga ter sido o epicentro do surto. Ainda hoje não sabe o que o contaminou, mas jurou que não ia deixar ' a culpa morrer solteira e vai "até às últimas consequências". Dez meses depois, lamenta não ter recebido "nem uma explicação das autoridades, um telefonema que fosse". "Exige-se que, havendo um surto, as autoridades de saúde façam um trabalho de investigação muito rápido no sentido de saber quem foi. O que aconteceu, neste caso, é que essa investigação foi muito negligente. A Saúde diz que não tinha técnicos, mas também não pediu colaboração à APA, à ASAE, a ninguém", afirma António Archer, o advogado que, em março, recorreu à ação popular para que vitimas e familiares se constituíssem assistentes do processo crime em investigação no DIAP do Porto. Neste momento, o consórcio de advogados, liderado por Archer, representa oito vítimas ou famílias, mas ainda esperam que outros se juntem. Agora, vão avançar com uma queixa na Provedoria de Justiça. "O Estado, ao não criar as condições para fiscalização e vigilância destas instalações, é responsável pela propagação da bactéria", frisa.
LEI "ATRASADA"
Na sequência do surto em Vila Franca de Xira, em 2014 - o terceiro com mais casos em todo o mundo -, foi publicada a lei 52/2018, que estabelece o regime de prevenção e controlo da doença dos legionários. Mas a verdade é que só a 19 de janeiro de 2021- já depois do surto a norte - foi publicada a portaria que "materializa essa lei", ao determinar "a classificação do risco e as medidas mínimas a adotar pelos responsáveis pelos equipamentos, redes e sistemas" de refrigeração previstos. "E a assunção do erro por parte do Estado! Se esta portaria tivesse sido publicada antes, este surto tinha sido evitado", sublinha António Archer.
| Ana Trocado Marques
ORIGEM DO SURTO CONTINUA POR IDENTIFICAR
Taxa de letalidade extremamente alta
SAÚDE
O primeiro caso data de 29 de outubro de 2020.
Joaquim Maria Ferreira - o pai de Raquel Ferreira - morreu a 5 de novembro.
Foi o "paciente zero" do surto. Até ao final de novembro, foram detetados 88 casos e 15 pessoas morreram nos concelhos de Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim.
Em comum têm o facto de viverem nas proximidade da área de Matosinhos sul ou uma ida ao Porto a consultas hospitalares que os obrigaram a passar pela zona.
Dez meses depois, houve várias audiências na comissão de saúde da Assembleia da República e um inquérito que começou em Matosinhos e corre termos, agora, no D1AP do Porto. Certezas?
Muito poucas.
O primeiro caso data de 29 de outubro de 2020.
Joaquim Maria Ferreira - o pai de Raquel Ferreira - morreu a 5 de novembro.
Foi o "paciente zero" do surto. Até ao final de novembro, foram detetados 88 casos e 15 pessoas morreram nos concelhos de Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim.
Em comum têm o facto de viverem nas proximidade da área de Matosinhos sul ou uma ida ao Porto a consultas hospitalares que os obrigaram a passar pela zona.
Dez meses depois, houve várias audiências na comissão de saúde da Assembleia da República e um inquérito que começou em Matosinhos e corre termos, agora, no D1AP do Porto. Certezas?
Muito poucas.
PROBLEMAS
O que sabe: seis dias para identificar o surto, falta de pessoal nas delegações de saúde atoladas de trabalho pela pandemia, nove para partir para o terreno, nenhum encerramento preventivo de torres de refrigeração na área delimitada como epicentro do surto, 14 dias para encerrar as supostas torres suspeitas, cujos genótipos da legionela, afinal, não coincidiam com os dos pacientes, colheitas feitas em fábricas que tresandavam a cloro e, cada vez mais, a suspeita de que, como oJN noticiou, a demora deu tempo a várias empresas para limpar as suas torres de refrigeração e pode ter apagado, definitivamente, o rasto da legionela.
Certo é que o surto teve uma taxa de mortalidade anormalmente alta, que o faz o mais letal de sempre em Portugal. Em Vila Franca de Xira, em 2014, houve 403 infetados e 12 mortos.
E os especialistas creem que, com covid-19 à mistura, muitos casos terão ficado por diagnosticar.
O que sabe: seis dias para identificar o surto, falta de pessoal nas delegações de saúde atoladas de trabalho pela pandemia, nove para partir para o terreno, nenhum encerramento preventivo de torres de refrigeração na área delimitada como epicentro do surto, 14 dias para encerrar as supostas torres suspeitas, cujos genótipos da legionela, afinal, não coincidiam com os dos pacientes, colheitas feitas em fábricas que tresandavam a cloro e, cada vez mais, a suspeita de que, como oJN noticiou, a demora deu tempo a várias empresas para limpar as suas torres de refrigeração e pode ter apagado, definitivamente, o rasto da legionela.
Certo é que o surto teve uma taxa de mortalidade anormalmente alta, que o faz o mais letal de sempre em Portugal. Em Vila Franca de Xira, em 2014, houve 403 infetados e 12 mortos.
E os especialistas creem que, com covid-19 à mistura, muitos casos terão ficado por diagnosticar.