Novo regime jurídico aplicável ao autoconsumo de energia renovável

António Barreto Archer, Advogado Associado e CEO do Consórcio Archer & Associados analisa o novo regime jurídico aplicável ao autoconsumo de energia renovável, de acordo com o Decreto-Lei n.º 162/2019, de 25 de outubro.

Foi hoje publicado no Diário da República o Decreto-Lei n.º 162/2019, de 25 de outubro (descarregue o pdf aqui), que aprova o novo regime jurídico aplicável ao autoconsumo de energia renovável, transpondo parcialmente a Diretiva 2018/2001.

A atividade de produção descentralizada de energia elétrica era até agora regulada pelo Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de outubro, que estabelecia o regime jurídico aplicável à produção de eletricidade destinada ao autoconsumo na instalação de utilização associada à respetiva unidade produtora, com ou sem ligação à rede elétrica pública, baseada em tecnologias de produção renováveis ou não renováveis, designadas por Unidades de Produção para Autoconsumo.
 
Aquele diploma regulava, igualmente, o regime jurídico aplicável à produção de eletricidade, vendida na sua totalidade à rede elétrica de serviço público, por intermédio de instalações de pequena potência, a partir de recursos renováveis, designadas por Unidades de Pequena Produção, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 76/2019, de 3 de junho, encontrando-se essa matéria atualmente regulada pelo Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, na sua redação atual.

A evolução que se registou a nível europeu, operada nomeadamente pela Diretiva (UE) 2018/2001, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis, tem conferido uma crescente importância ao autoconsumo de eletricidade renovável, consagrando a definição dos conceitos de autoconsumidores de energia renovável e de autoconsumidores de energia renovável que atuam coletivamente, bem como de comunidades de energia renovável. A referida diretiva prevê um quadro normativo que permite aos autoconsumidores de energia renovável produzir, consumir, armazenar, partilhar e vender eletricidade sem serem confrontados com encargos desproporcionados.

No Plano Nacional de Energia-Clima para o horizonte 2021-2030, Portugal estabeleceu a meta de alcançar uma quota de 47 % de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto em 2030. No âmbito deste plano, a promoção e disseminação da produção descentralizada de eletricidade a partir de fontes renováveis de energia merece uma acrescida relevância, como um dos eixos a desenvolver, de forma a alcançar o objetivo essencial de reforço da produção de energia a partir de fontes renováveis e de redução de dependência energética do país, já que a quota de 47 % de renováveis no consumo final de energia implica que no setor elétrico as renováveis contribuam com pelo menos 80 % da produção de eletricidade. Neste sentido, o contributo da produção descentralizada – que ficará agora regulada pelo regime estatuído neste decreto-lei - será fundamental para alcançar este objetivo, prevendo-se que a capacidade instalada, nomeadamente no solar, atinja 1 GW em 2030.

Este novo regime é criado numa lógica de complementaridade, de modo a assegurar o cumprimento das metas e objetivos de Portugal em matéria de energia e clima, através da combinação de instrumentos centralizados de promoção de energias limpas (por exemplo, leilões de capacidade) com processos descentralizados. Assim, o decreto-lei agora publicado, dando cumprimento ao estabelecido na diretiva acima mencionada, visa promover e facilitar o autoconsumo de energia e as comunidades de energia renovável, eliminando obstáculos legais injustificados e criando condições para o estabelecimento de soluções inovadoras, tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista social, baseadas no aproveitamento das novas oportunidades tecnológicas. Concretamente, a nova lei facilita a participação ativa na transição energética de empresas e de cidadãos interessados em investir, sem subsídios públicos, em recursos energéticos renováveis e distribuídos necessários à cobertura do respetivo consumo.

Considerando a natureza inovadora do decreto-lei agora publicado, prevê-se que, até final de 2020, sejam implementados determinados projetos de autoconsumo que permitam às entidades públicas responsáveis pela regulamentação e regulação da atividade ir desenvolvendo esta regulamentação à medida da implementação prática das soluções.

Este novo regime define uma UPAC (Unidade de Produção para Autoconsumo), como uma unidade de produção de energia que tem como fonte primária a energia renovável associada a uma ou várias instalações elétricas de utilização, destinada primordialmente à satisfação de necessidades próprias de abastecimento de energia elétrica, podendo ser propriedade do autoconsumidor ou gerida por terceiros para a colocação, exploração, incluindo a contagem, e manutenção, desde que a instalação continue sujeita às instruções do autoconsumidor de energia renovável.

Define também este novo Decreto-Lei, que produzirá efeitos a partir de 1 de janeiro de 2020, a figura do “Participante no mercado”, que é a pessoa singular ou coletiva envolvida na UPAC ou o operador de serviços de resposta da procura ou de serviços de armazenamento de energia, que compra e vende eletricidade, através da colocação de ofertas de compra e venda de energia elétrica, nos mercados de eletricidade, incluindo os mercados organizados - a prazo, diários, intradiários, de serviços de sistema -, contratos bilaterais e contrata

Nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 162/2019, de 25 de outubro:

- uma UPAC com potência instalada igual ou inferior a 350 W não está sujeita a controlo prévio;

- uma UPAC com potência instalada superior a 350 W e igual ou inferior a 30 kW está sujeita a mera comunicação prévia;

- uma UPAC com potência instalada superior a 30 kW e igual ou inferior a 1 MW está sujeita a registo prévio para a instalação da UPAC e a certificado de exploração, nos termos do disposto no do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, mas a pronúncia do operador da rede a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 27.º-B deste diploma, apenas é obrigatória nos casos em que no pedido de registo de UPAC se prevê a possibilidade de injeção de potência na Rede Elétrica de Serviço Público (RESP);

- uma UPAC com potência instalada superior 1 MW está sujeita a atribuição de licença de produção e de exploração, nos termos dos artigos 8.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, mas no caso de prever a possibilidade de injeção na RESP superior a 1 MVA, o início do procedimento para obtenção de licença de produção de eletricidade depende da prévia atribuição de reserva de capacidade de injeção na RESP, nos termos do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto.
 

A energia excedente do autoconsumo pode ser transacionada:

  1. Em mercado organizado ou bilateral, incluindo através de contrato de aquisição de energia renovável;
  2. Através do participante no mercado contra o pagamento de um preço acordado entre as partes;
  3. Através do facilitador de mercado.

 

Podem proceder à atividade de autoconsumo, através de UPAC, independentemente do nível de tensão das instalações de consumo:

 

  1. Os autoconsumidores individuais;
  2. Os autoconsumidores coletivos, organizados em condomínios de edifícios em regime de propriedade horizontal ou não, ou um grupo de autoconsumidores situados no mesmo edifício ou zona de apartamentos ou de moradias, em relação de vizinhança próxima, unidades industriais, comerciais ou agrícolas, e demais infraestruturas localizadas numa área delimitada, que disponham de UPAC;
  3. As Comunidades de Energia Renovável (agrupamento de autoconsumidores).

Será permitido o registo de autoconsumidores coletivos para instalação de UPAC em nome de condomínios, bem como o eventual recurso a financiamento pelo condomínio e respetivas condições, seguem o regime previsto nos artigos 1425.º e 1426.º do Código Civil. O registo para instalação de UPAC em parte comum de edifício organizado em condomínio ou a utilização de parte comum para passagem de cablagem ou outros componentes da produção de eletricidade através de UPAC, é precedida de autorização da respetiva assembleia de condóminos, deliberada por maioria simples, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 1432.º do Código Civil. Esta autorização é solicitada nos termos do artigo 1431.º do Código Civil, com pelo menos 33 dias de antecedência relativamente à data prevista para a inscrição para registo, devendo o pedido ser acompanhado da descrição da instalação, local de implantação prevista na parte comum e todos os detalhes da utilização pretendida das partes comuns.
António Barreto Archer
Advogado e Engenheiro
CEO da Archer & Associados