Por António Barreto Archer, Engenheiro e Advogado
O modelo económico atual assenta num imperativo de crescimento, alimentado pelo desenvolvimento tecnológico e pela competitividade, que tem como objetivo a maximização do lucro e se baseia na premissa de que os recursos são tendencialmente ilimitados. Pode ser visto como um sistema linear global: que se inicia com a extração de matérias-primas;prossegue através de uma cadeia sucessiva de etapas complexas de processamento e reprocessamento de matérias-primas e produtos intermédios; continua com a produção de uma imensa variedade de produtos; segue depois com a disponibilização destes produtos aos consumidores, através de cadeias logísticas sofisticadas, em mercados cada vez mais globalizados; e
termina com a geração de resíduos e a necessidade de os eliminar ou valorizar. A base deste modelo está na permanente disponibilidade de capital de financiamento, obtido através de um processo de expansão e de acumulação.
É verdade que a generalização deste modelo económico e os avanços científicos e tecnológicos alcançados promoveram de uma forma inédita na história da humanidade o aumento do bem-estar e da esperança de vida do ser humano. Porém, nos últimos séculos, perante o deslumbramento do seu engenho e rodeado de bens materiais por si concebidos e fabricados, o ser humano perdeu a noção de que é parte integrante desse grande sistema em equilíbrio dinâmico que é o planeta Terra. A mudança de paradigma no papel do ser humano perante a biosfera em que se integra, enquanto ser intelectualmente evoluído e superiormente capaz a quem é confiada a gestão consciente dos recursos naturais, é absolutamente fundamental para se seguir a via do desenvolvimento sustentável perene e acessível a todos. Vistos sob esta perspetiva, o ambiente e a natureza adquirem um significado novo, tornando-se em critérios de valoração ética para as condutas humanas, tanto coletivas como individuais.
Estes valores são atualmente preconizados pelas instituições internacionais e estão contextualizados nos diversos documentos e resoluções emitidos por estas instituições. No ano 2000 a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu os objetivos do milénio1, estabelecendo princípios básicos de sobrevivência como são a erradicação da pobreza, o acesso universal à educação básica, a melhoria dos cuidados de saúde e o combate às epidemias, que hoje se tornou numa prioridade política global face ao impacto avassalador em todo o mundo da pandemia da COVID-19. Tendo como suporte diversos trabalhos anteriores2, a Declaração do Milénio encarou também outras necessidades fundamentais para o desenvolvimento e melhoria das condições de vida da humanidade: a promoção da igualdade de género, a sustentabilidade ambiental e o estabelecimento deuma rede de cooperação internacional para o desenvolvimento mundial.
“Viver bem, dentro dos limites do nosso planeta”3 é o título de uma decisão da União Europeia (UE) com vista à sua atuação em termos de política ambiental. A UE reconhece o enorme impacto que a degradação dos ecossistemas e do ambiente exerce, de uma forma geral, sobre a saúde e o bem-estar humanos. Neste documento é também reconhecida a necessidade de dissociar o crescimento económico da degradação ambiental. De facto, a União Europeia tem sido pioneira na definição de rumos políticos adequados aos problemas atuais com que o mundo lida, que são muitas vezes seguidos por outras instituições. Os maiores desafios ambientais, nomeadamente as alterações climáticas ou a poluição dos oceanos, têm uma abrangência universal e, como consequência, necessitam de ser abordados numa perspetiva global, requisitando maior cooperação internacional para a procura de soluções integradoras e de conjunto, tal como preconizam as metas da ONU para o Desenvolvimento Sustentável.
Desde há cerca de uma década que a estratégia de combate às alterações climáticas se tornou parte integrante da política da UE, como forma indissociável de garantir o desenvolvimento sustentável, a competitividade e a segurança do aprovisionamento da energia. Existem fortes evidências científicas de que as alterações que se vêm registando no clima da Terra e, especialmente, o aumento da temperatura média global da atmosfera do planeta, têm como causa o aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera resulta da atividade humana, nomeadamente, da alteração da utilização do solo, da desflorestação para obtenção de terrenos para a produção agrícola, para a construção ou para a indústria, dos incêndios, da exploração intensiva dos recursos naturais e, sobretudo, das emissões de gases da combustão do carvão e dos hidrocarbonetos líquidos e gasosos (combustíveis fósseis). O desenvolvimento industrial e a utilização da energia têm contribuído de forma inequívoca para o aumento das emissões de CO2 e de outros gases com efeito de estufa (GEE) e, consequentemente, para o aumento da concentração destas substâncias na atmosfera, que apesar de ser apenas vestigial em relação à concentração dos componentes mais abundantes (azoto e oxigénio) tem um efeito significativo na quantidade de radiação absorvida pela atmosfera em comprimentos de onda mais elevados do que o espetro visível (infravermelho).
O efeito das emissões de GEE é cumulativo, pelo que as concentrações de CO2 na atmosfera que se verificam no momento presente resultam, não apenas das emissões atuais, mas da acumulação das emissões ocorridas ao longo dos últimos anos, dado que o tempo médio de residência do CO2 na atmosfera atinge os 200 anos5. Em maio de 2013 a concentração média de CO2 na a tmosfera registada no observatório de Mauna Loa (Hawai) chegou a 4 00 partes por milhão (ppm)6, valor muito mais elevado do que os 278 ppm que se estima fosse o valor médio da concentração de CO2 na atmosfera na época pré-industrial (século XVIII).
A Organização Meteorológica Mundial (WMO) registou, em 2013, e comparativamente à era pré-industrial, valores das concentrações de GEE mais elevados em 121% para o óxido nitroso (N2O), em 142% para o CO2, e em 253% para o metano (CH4)7.
A tomada de consciência da importância das alterações climáticas, da necessidade de limitar os seus efeitos e da responsabilidade de todo o planeta neste problema, cuja dimensão impõe a necessidade de mobilizar os governos de todos os países do mundo paraa sua resolução, levou a ONU a estabelecer negociações entre os diferentes países com o propósito de alcançar compromissos políticos, definir metas e quantificar objetivos de redução das emissões de GEE. Tal como acontece com outros gases e substâncias poluentes, a emissão para a atmosfera de GEE de origem antropogénica está condicionada por acordos internacionais. Em 2015, os dirigentes mundiais reunidos em Paris na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP21) definiram novos objetivos em matéria de luta contra as alterações climáticas e celebraram um acordo que apresentava um plano de ação para limitar o aquecimento global a 2°C face ao valor de referência do ano de 19908. Mais recentemente, entre 31 de outubro e 12 de novembro de 2021, decorreu em Glasgow a 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), que reuniu as 197 partes daquela Convenção-Quadro das Nações Unidas (CQNUAC), entre as quais se contam a União Europeia e todos os seus Estados-Membros. O pacto conseguido em Glasgow determina o aumento dos fundos destinados a ajudar os países em desenvolvimento a combater as alterações climáticas, o lançamento de um Compromisso Mundial sobre o Metano e a finalização das regras sobre os aspetos operacionais do Acordo de Paris (Regras de Katowice), deixando margem para envidar novos esforços nos próximos anos, a fim de alcançar a meta de 1,5 °C na limitação do aquecimento global face ao valor de referência da temperatura média global da atmosfera do planeta no ano de 1990.
A Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões de 11 de dezembro de 2019 estabeleceu um Pacto Ecológico Europeu para a União Europeia e os seus cidadãos, redefinindo o compromisso da Comissão de enfrentar os desafios climáticos e ambientais e uma nova estratégia de crescimento que visa transformar a UE numa sociedade equitativa e próspera, dotada de uma economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva, que em 2050 tenha zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa e em que o crescimento económico esteja dissociado da utilização dos recursos. O Regulamento (UE) 2021/1119 do Parlamento Europeu e do Conselho de 30 de junho de 2021, designado como «Lei Europeia em matéria de Clima» veio dar força jurídica vinculativa a esta meta, criando o regime para alcançar a neutralidade climática e alterando os Regulamentos (CE) nº401/2009 e (UE) 2018/1999. O artigo 4º, nº1, do Regulamento(UE) 2021/1119 preceitua que, a fim de alcançar o objetivo de neutralidade climática até 2050, a meta climática vinculativa da União para 2030 deve consistir numa redução interna das emissões líquidas de gases com efeito de estufa (emissões após dedução das remoções) de, pelo menos, 55% em relação aos níveis de 1990.
As alterações climáticas e a degradação dos ecossistemas, da biosfera e do meio ambiente emgeral, constituem, pois, problemas verdadeiramente universais, considerados por muitos como os maiores desafios do século XXI. Mas o mundo de hoje enfrenta outros sérios problemas relacionados com a globalização, como a dinâmica populacional e os fluxos migratórios, a crescente urbanização, o extremismo associado a fundamentalismos religiosos ou a tiranias políticas, a disseminação de doenças alargadas a zonas geográficas onde não ocorriam ou estavam erradicadas e orisco de novas pandemias. Estes problemas são os maiores fatores de pressão sobre o desenvolvimento sustentável, incluem-se na equação da degradação global do meio ambiente e são, simultaneamente, parte da solução: o desenvolvimento sustentável não poderá alcançar-se em sociedades vítimas de conflitos, masa paz e a segurança também não se garantem sem o desenvolvimento sustentável das sociedades, tal como preconiza a meta 16 da Agenda 2030 da ONU (16. Paz e Justiça: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e c onstruir instituições eficazes, responsáveis e i nclusivas em todos os níveis).
Muitos dos problemas ambientais globais têm dimensões marcadamente regionais, que são função das condições geográficas, naturais e climáticas que definem a vulnerabilidade de uma região, mas também das raízes culturais e, sobretudo, das políticas que aí são desenvolvidas. O reconhecimento desta realidade traduz-se na expressão, amplamente divulgada, “pensar global, agir local” conceito que, apesar dos seus 100 anos9 e da banalidade que adquiriu, continua a revelar-se da maior importância e aplicabilidade.
É precisamente no contexto local que a atuação conjunta dos agentes económicos e a cooperação entre estes, a todos os níveis, se manifesta como um dos pilares fundamentais para a construção da sociedade e da economia do futuro. Alguns autores10 têm mesmo defendido a necessidade de um novo modelo económico, que designam como “economia da funcionalidade e da cooperação”, como base de ação para novas trajetórias de desenvolvimento sustentável, que considerem os setores económicos eo território como espaços de transformação e, sobretudo, de cooperação, num novo modo de produzir e comercializar. Nesta nova economia, as formas de cooperação entre empresas e outros agentes económicos, públicos e privados, adquirem uma importância fundamental, não só pelo aumento da capacidade de intervenção no mercado que proporcionam às empresas de pequena e média dimensão, como pela maior eficiência que o fornecimento de soluções integradas de bens e serviços pode permitir. Estas soluções permitem geralmente um menor consumo de energia e uma poupança de recursos, proporcionando uma menor pegada carbónica11.
Para que a transição energética seja um impulso real para uma nova economia industrial sustentável, é, pois, necessário encontrar formas jurídicas de cooperação entre os vários agentes que assegurem o estabelecimento de relações duráveis e resilientes, mas que sejam também flexíveis, para se adaptarem às necessidades concretas dos agentes económicos e às exigências da concorrência e do mercado global.12 Disso trataremos nos próximos capítulos.
As alterações climáticas e a degradação dos ecossistemas, da biosfera e do meio ambiente emgeral, constituem, pois, problemas verdadeiramente universais, considerados por muitos como os maiores desafios do século XXI. Mas o mundo de hoje enfrenta outros sérios problemas relacionados com a globalização, como a dinâmica populacional e os fluxos migratórios, a crescente urbanização, o extremismo associado a fundamentalismos religiosos ou a tiranias políticas, a disseminação de doenças alargadas a zonas geográficas onde não ocorriam ou estavam erradicadas e orisco de novas pandemias. Estes problemas são os maiores fatores de pressão sobre o desenvolvimento sustentável, incluem-se na equação da degradação global do meio ambiente e são, simultaneamente, parte da solução: o desenvolvimento sustentável não poderá alcançar-se em sociedades vítimas de conflitos, masa paz e a segurança também não se garantem sem o desenvolvimento sustentável das sociedades, tal como preconiza a meta 16 da Agenda 2030 da ONU (16. Paz e Justiça: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e c onstruir instituições eficazes, responsáveis e i nclusivas em todos os níveis).
Muitos dos problemas ambientais globais têm dimensões marcadamente regionais, que são função das condições geográficas, naturais e climáticas que definem a vulnerabilidade de uma região, mas também das raízes culturais e, sobretudo, das políticas que aí são desenvolvidas. O reconhecimento desta realidade traduz-se na expressão, amplamente divulgada, “pensar global, agir local” conceito que, apesar dos seus 100 anos9 e da banalidade que adquiriu, continua a revelar-se da maior importância e aplicabilidade.
É precisamente no contexto local que a atuação conjunta dos agentes económicos e a cooperação entre estes, a todos os níveis, se manifesta como um dos pilares fundamentais para a construção da sociedade e da economia do futuro. Alguns autores10 têm mesmo defendido a necessidade de um novo modelo económico, que designam como “economia da funcionalidade e da cooperação”, como base de ação para novas trajetórias de desenvolvimento sustentável, que considerem os setores económicos eo território como espaços de transformação e, sobretudo, de cooperação, num novo modo de produzir e comercializar. Nesta nova economia, as formas de cooperação entre empresas e outros agentes económicos, públicos e privados, adquirem uma importância fundamental, não só pelo aumento da capacidade de intervenção no mercado que proporcionam às empresas de pequena e média dimensão, como pela maior eficiência que o fornecimento de soluções integradas de bens e serviços pode permitir. Estas soluções permitem geralmente um menor consumo de energia e uma poupança de recursos, proporcionando uma menor pegada carbónica11.
Para que a transição energética seja um impulso real para uma nova economia industrial sustentável, é, pois, necessário encontrar formas jurídicas de cooperação entre os vários agentes que assegurem o estabelecimento de relações duráveis e resilientes, mas que sejam também flexíveis, para se adaptarem às necessidades concretas dos agentes económicos e às exigências da concorrência e do mercado global.12 Disso trataremos nos próximos capítulos.
Encarte destacável da Revista Kéramica
(Revista da Indústria Cerâmica Portuguesa)
nº373, de novembro/dezembro de 2021.